O que o Dia da Consciência Negra representa para a Enfermagem Brasileira – perguntas para Alva Helena de Almeida

De acordo com dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), 54,9% entre os profissionais de nível médio de enfermagem são pessoas negras e, entre os profissionais de enfermagem, estes(as) representam 38,5%. Em outro estudo do departamento, que compara remunerações entre trabalhadores do Sistema Único de Saúde, os números mostram que, mesmo para quem tem a mesma escolaridade de ensino superior, os(as) trabalhadores(as) negros(as) recebiam 12,5% menos que os(as) brancos(as).*

As implicações sociais e econômicas da cor de nossa pele são, portanto, um tema fundamental para pensarmos o trabalho da Enfermagem, considerando o racismo que estrutura a sociedade brasileira. Neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, a ABEn trouxe três questões sobre o assunto para a professora Alva  Helena de Almeida, que atualmente está à frente da Articulação Nacional de Enfermagem Negra, entidade de grande importância para a conquista da justiça e equidade em nossa categoria e, claro, em todo o Brasil.

Sobre Alva Helena de Almeida

Enfermeira, mestre em Saúde Pública e doutora em Ciências, pela Universidade de São Paulo (USP), servidora pública no município de São Paulo, integrante do Grupo de Pesquisa Fortalecimento e desgaste no trabalho e na vida: bases para intervenção em Saúde Coletiva; da Soweto Organização Negra e da Articulação Nacional de Enfermagem Negra. Aposentada, em dedicação ao reconhecimento e justiça na Enfermagem Brasileira.

ABEn – O que significa o Dia da Consciência Negra para a Enfermagem?

Alva Helena – O DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA desde a sua criação, sempre foi um dia de LUTA!!!! Não é diferente para a Enfermagem. Somos o segundo maior contingente de trabalhadores(as) do país. Somos responsáveis por cerca de 60% das atividades desenvolvidas no Sistema de Saúde. Somos maioria de mulheres e de negras. Somos subvalorizadas, subrepresentadas, extremamente exploradas e discriminadas nos serviços de saúde, tanto públicos, quanto privados. Oxalá tivéssemos consciência disso, de tantas opressões que nos acometem e viéssemos a participar nas ruas por salários e condições dignas de trabalho, por igual acesso e desenvolvimento profissional reservado aos trabalhadores brancos dos serviços. Se o Dia da Consciência Negra é marco de luta por igualdade de direitos, devemos nos manifestar e engrossar as manifestações organizadas por todo o país.

ABEn – Como as relações de raça e gênero estão relacionadas à valorização, ou desvalorização, do trabalho da Enfermagem, tendo como exemplo a relutância de alguns gestores públicos e do setor privado em cumprir a Lei do Piso da Enfermagem?

Alva Helena – O setor saúde é majoritariamente feminino. Algumas profissões que antes eram de maioria masculina, mostram, atualmente, uma trajetória de feminilização. A Enfermagem sempre foi e continua sendo uma profissão majoritariamente feminina, num Estado marcado por profundas desigualdades de gênero e racial. Infelizmente, a nossa categoria reúne uma matriz de opressões: ainda que quantitativamente sejamos maioria, estamos subrepresentadas nos cargos de poder do próprio setor, do legislativo, do judiciário, haja visto termos somente agora, em 2023, a primeira Ministra da Saúde. Sempre existiu uma ideologia patriarcal, sexista no setor saúde. Ainda não avançamos no sentido de diminuir significativamente essas desigualdades de gênero, haja visto o desrespeito, a “pouca seriedade” dos empresários do setor saúde, o avanço das terceirizações no SUS e, ainda, a perda de direitos resultante da reforma trabalhista. O cenário é bastante complexo, pouco favorável ao “reconhecimento” do valor do nosso trabalho, para além dos aplausos. Diante da importância do setor saúde em produzir “atenção à saúde” à população, esse setor produtivo se mostra muito retrógrado, insensível às políticas de valorização e da qualidade de vida da(o) trabalhador(a), assim como o que diz respeito à diversidade e equidade de gênero e raça.

ABEn – Como as entidades de representação da categoria podem atuar diante das implicações que existem entre gênero, raça e questões trabalhistas no campo da Enfermagem?

Alva Helena – As Entidades de Classe da Enfermagem precisam estar unidas, ter uma voz uníssona no que se refere à defesa das necessidades e interesses da categoria, o que nem sempre ocorre. Precisamos pautar as nossas “opressões”, discutir, refletir a respeito, além de propor manifestações conjuntas e estratégicas. O cenário do mundo do trabalho no setor saúde, tanto na área pública, e particularmente no setor privado, se mostram muito pouco sensível aos direitos da Enfermagem. Estamos num momento da história da Enfermagem Brasileira e Mundial, em que se torna mandatório a luta de todos em defesa das(os) trabalhadora(e)s, pelo direito ao trabalho, em condições dignas, e pela qualidade de vida a que todos temos direito.

*Referências:
DIEESE, Nota Técnica nº 213, setembro 2019 – Reforma Administrativa e os Trabalhadores do SUS (pág 14)

DIEESE, Boletim Emprego em Pauta nª 19, maio de 2021 – A inserção ocupacional na área da saúde (pág 4)