Discurso de Abertura do 74º CBEn da presidenta da ABEn, Jacinta Sena

Em ocasião da Abertura do 74º Congresso Brasileiro de Enfermagem, no dia 12 de novembro de 2023, a presidenta da ABEn, Jacinta Sena, proferiu um discurso abrangente, no qual relacionou os grandes desafios de nossos tempos às questões específicas da Enfermagem, e conclamou a todos à organização e à luta por uma sociedade mais solidária e amorosa. Leia a seguir o discurso completo da presidenta da ABEn:

Crédito: Nando Neves

“Cumprimento todas as autoridades que compõem esta mesa e todas as pessoas aqui presentes. Em nome da Ministra da Saúde, Nísia Trindade, cumprimento todas as mulheres e, em nome do estudante Shauan Keven Rocha Fontes, todos os homens presentes nesta cerimônia de abertura do 74º Congresso Brasileiro de Enfermagem. Cumprimento as presidentas e presidentes da Rede ABEn, técnicos, auxiliares e estudantes de Enfermagem. As presidentas da ABEn Nacional de gestões anteriores. Parlamentares e representantes de instituições parceiras presentes.

Saúdo e abraço todas as pessoas neste momento de encontros, reencontros, em que iniciam-se as discussões e reflexões, as trocas de conhecimento, saberes e experiências na 74ª edição do Congresso Brasileiro de Enfermagem, 13º Jornada Brasileira de Enfermagem Gerontológica (13ª JBEG) e 6º Seminário Internacional sobre o Trabalho em Enfermagem (6º SITEn). Destaco a participação dos estudantes representados pela Executiva Nacional dos Estudantes de Enfermagem (ENEENf) e pelo Comitê Estudantil da ABEn Nacional (COEST).

Evidencio a importância do tema central desta edição do CBEn: “ENFERMAGEM E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL“, atravessado por quatro EIXOSTEMÁTICOS:

EIXO 1: Cuidado de Enfermagem, Políticas Sociais e a Construção de uma Sociedade Sustentável;

EIXO 2: Condições, Perspectivas e Desafios do Trabalho de Enfermagem;

EIXO 3: A Pesquisa em Enfermagem e suas Contribuições para o Cuidado em Saúde e para a consolidação da Ciência de Enfermagem;

EIXO 4: Educação de Qualidade e a Formação de Profissionais de Enfermagem na Perspectiva do Sus.

Esta edição do CBEn se realiza em cenário singular, complexo, construtivo e de esperançar na reconstrução, reinvenção das políticas públicas, do retorno do Brasil ao diálogo e presença internacional na geopolítica e do reconhecimento e valoração das pessoas, da Democracia e da Ciência cidadã e aberta.

A temática do Congresso dialoga com os grandes desafios da contemporaneidade:

– A questão ambiental, especialmente as mudanças climáticas, a redução ao acesso à água potável, fortemente provocados pelo modelo de desenvolvimento ainda em curso, traduzida no desrespeito às vidas humanas e não humanas no planeta, o desrespeito à Mãe Terra. O enfrentamento à mudança do clima é um dos maiores desafios políticos do século 21;

– A degradação da saúde mental coletiva, geradora da ampliação de adoecimentos mentais como a depressão e ansiedades, entre outros;

– A desregulamentação do trabalho, expropriando os direitos, sob a exige do ideário do neoliberal aprofundando os desdireitos com  os vários arranjos de trabalho, a exemplo da disseminação dos Micro Empreendedores Individuais (MEI), provocando sentimentos de inferioridade,  do “eu sozinho” e do não desenvolvimento pleno das pessoas e da sociedade;

– A ofuscação do movimento sindical, reduzido o potencial organizativo e poder negocial dos(as) trabalhadores(as);

– Os dilemas da falta de regulação da Inteligência Artificial (IA) e das plataformas de tecnologias, que, se por um lado podem influir positivamente na fluidez comunicacional, por outro, pela via das fakenews, disseminam discursos de ódio e de incentivo ao consumo, sendo gerador de lucro dos gigantes conglomerados empresariais, como Apple, Google, dentre outras de plataformas de tecnologias, redes  e mídias;  

– A privatização e gestão de serviços públicos essenciais, como os de saneamento básico e

– A urgência em alcançar o envelhecimento saudável para todas as pessoas.

Entre nossos desafios está a reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional (aprovada no Senado) que, sob o ímpeto neoliberalizante, é resultante de uma correlação de forças desfavorável: da ação e força do grande poder econômico e seus lobbies – ou seja, o patrimonialismo brasileiro.  É preciso ousar, lutar e traçar caminhos para uma estrutura tributária que garanta justiça fiscal, social e ambiental.

A Enfermagem Brasileira, por meio de suas entidades representativas, incluindo a ABEn, empreende uma luta histórica de quase meio século por condições dignas de trabalho. E, mesmo com a conquista da Lei 14.434/2022, que estabelece o piso nacional da enfermagem para enfermeiras/os, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras, continuamos numa luta política incessante pelo pagamento do piso em todo País para os três milhões de trabalhadoras e trabalhadores da categoria. Trata-se da maior força de trabalho do setor da Saúde, constituída em sua maioria por mulheres (85%), atravessadas pelas interseccionalidades/marcadores de gênero, raça e classe, pois sabemos que o trabalho de enfermagem é exercido em condições extremamente precarizadas, herança do escravagismo e do colonialismo.  Destaco que esta força de trabalho sustenta e carrega o SUS, por isso urge e é imperioso o reconhecimento e a valorização do trabalho social da Enfermagem.

A saúde, sob a égide do neoliberalismo perverso e da agenda mínima de Estado, nas últimas décadas vem sendo disputada cotidianamente. Um exemplo é PEC 10/2023 – que tenta estabelecer a comercialização do sangue humano, o que configura um retrocesso civilizatório. Outro exemplo é o PL (7082/2017), que fragiliza a proteção a participantes de pesquisa com seres humanos, e a ameaça ao mínimo de 15% para setor da Saúde, repasse constitucional mínimo anual que deve ser aplicado pelo governo federal. Tudo isso impõe e convoca a ampliação da luta popular para garantir direitos e a reconstrução e reinvenção de políticas públicas que assegurem o atendimento às exigências e necessidades atuais de saúde da população na diversidade territorial do País.

Mas cito positividades no primeiro ano de novo governo do Brasil, como a taxa de desemprego de 7,8%, a menor desde 2015, que foi de 7,5%; a retomada do protagonismo diante da questão ambiental, com a formulação de planos e programas voltados à transição ecológica e à adaptação para as mudanças climáticas; as medidas de combate à fome; o recente lançamento de nova campanha Covid 19, com reforço à vacinação. Temos que engendrar narrativas junto às pessoas nos territórios sobre cuidado e prevenção da saúde e do cuidar nos adoecimentos, a fim de contribuir com redução do negacionismo a vida e para promover relações solidárias. Precisamos atentar ainda para a proximidade das eleições municipais de 2024.

A ABEn, em seus 97 anos, iniciou as comemorações dos seus 100 anos neste Congresso. Com o compromisso de mirar o futuro na perspectiva de outra sociedade cidadã e das relações globais solidárias, apostamos que este evento contribuirá para apontar diretrizes e orientações para as políticas públicas, a ciência em enfermagem e da saúde, a fim de dar conta de atender às novas exigências e às necessidades de saúde da população nos territórios, bem como oferecer contribuições à formação/educação de qualidade com ensino presencial, a regulação do escopo da prática e o trabalho digno da enfermagem neste cenário desafiador, mas vivo e de esperançar.

Declaramos solidariedade ao povo palestino! Pela paz! Pelo fim das guerras! É premente e imperioso retomar concepções da vida e de mundo fundadas na integração à natureza, no cuidado e na partilha numa tessitura coletiva. Por fim, acredito que os povos precisam cultivar valores de solidariedade, amorosidade e democracia, sempre na direção do bem viver entre os povos e nações na Mãe Terra.

VIVA A ENFERMAGEM VIVA, COMPROMENTIDA E RECONHECIDA!

VIVA A CIÊNCIA CIDADÃ!

VIVA O SUS!

Gratidão à Comissão de Organização local da ABEn-RJ, nas pessoas da Enfermeiras/Professoras/es: Solange Belchior, vice-presidenta deste evento, da Diretora da Faculdade de Enfermagem da UERJ, Luiza Mara Correia, e especialmente, agradeço e abraço o professor Ricardo Mattos e a   professora Márcia Assunção pelo empenho e compromisso. À Diretoria da ABEn Nacional, em especial à vice-presidenta, Sonia Alves. Agradeço a todos os parceiros: à UERJ, na pessoa da reitora em exercício, Cláudia Gonçalves de Lima; ao Conselho Nacional do SESI, na pessoa do presidente, Vagner Freitas de Morais; ao Ministério da Saúde, na pessoa da Ministra Nísia Trindade, e a todas as pessoas que tornaram possível realizar este evento.

Concluo afirmando: só a participação ativa e a luta mudam o andar da vida e garantem transformação!

Desejo um produtivo, dialógico e histórico evento!

OBRIGADA!”

Jacinta Sena, presidenta da ABEn Nacional 2022-2025